segunda-feira, 28 de outubro de 2013

# 410



Gravity/ Gravidade (2013) deveria ter terminado antes das personagens abrirem a boca, e as suas histórias de vida serem emolduradas num sinfonismo de quinta categoria que é apenas mais um dos absurdos do filme de Alfonso Cuarón. Somos previamente avisados de que no espaço não existem nem som nem oxigénio, para que de imediato a contradição se instale ao nível dos tímpanos (convenção de cinema, eu sei...) enquanto os ouvimos perorar banalidades sobre a filha que morreu criança ou a mulher que fugiu com um outro homem, e a música vir sublinhar a acção e as narrativas passadas para que não se quebre a corrente emocional e o espectador não seja projectado, tal como as personagens, no negro abismo. Gravidade torna-se enjoativo e o refluxo não é produto das acrobacias involuntárias dos dois astronautas, antes resulta de um argumento que tem a idade mental destes novos filmes de super-heróis que se sucedem a um ritmo tal que os torna indistintos, a todos, entre si: mesmo para quem se limita a conhecer-lhes os trailers. Fala-se também do heroismo no feminino, coisa rara no cinema. Por uma vez um filme protagonizado por uma mulher que assume o papel do herói (papel activo), em vez de representar o estereótipo da vítima (papel passivo). É de justiça desmontar a falácia de quem assim argumentar, reportando-nos ao momento em que a personagem de Sandra Bullock é "visitada" em sideral delírio pela figura do astronauta de George Clooney (tão galhofeiro que aparenta a confusão entre o filme onde está e um capítulo da saga Toy Story). Ela salva-se, por assim dizer, por intervenção divina, sendo que a divina figura tem uma vez mais a imagem masculina. Mas talvez este seja o menor absurdo de um filme que os acumula como quem se passeia de estação espacial em estação espacial, como se ali imperasse o mais pragmático esperanto. Gravidade é cinema em modo simulador de navegação pelo espaço, com imagens 3D nunca vistas que impressionam, alimentado por uma narrativa tão juvenil que atenua qualquer angústica ou sério envolvimento que o projecto pudesse querer sugerir. Não detestei o filme. Apenas o achei irrelevante.

Arquivo do blogue