Vinte anos passados continua a ser o filme que prefiro de André Téchiné. A diferença de duas décadas produz os seus efeitos. É bem mais doloroso ver Ma Saison Préferée/ A minha Estação Preferida (1993) quando se deu o salto para a geração seguinte. Este é um filme sobre o mais crucial dos temas: o curso da vida, da juventude à idade adulta, e desta à velhice que para muitos de nós será "o começo do massacre". Há indícios do massacre antes de se chegar a velho, quando percebemos a pessoa em que nos tornámos e que a única hipótese de redenção passa por aceitar quem somos. O curso da vida apresentado por Téchiné está longe de ser tranquilo, os conflitos sucedem-se com uma frieza quase bergmaniana. Bergmaniano é também o falso flashback que coloca Emilie (Catherine Deneuve) a falar com os pais, corpo de adulta no tempo da criança, a dizer-lhes que está muito bem sozinha sem ter um irmão. O irmão nasceu e veio a chamar-se Antoine (Daniel Auteuil). A relação dos dois é marcada por ambiguidades que levaram a que não podendo ficar muito tempo juntos, a cada reencontro o desejo de não-separação fosse igualmente muito forte. E depois existe essa personagem, fortíssima, que é a mãe de Antoine e Emilie, Berthe, interpretada por Marthe Villalonga. Não há lugar à visão beatífica da mulher do campo, trocada por uma figura de personalidade bulldozer que diz o que pensa não olhando a quem possa magoar. A Minha Estação Preferida trabalha o realismo até à alma e até ao osso. Obra-prima para rever em qualquer idade.
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
# 394
Vinte anos passados continua a ser o filme que prefiro de André Téchiné. A diferença de duas décadas produz os seus efeitos. É bem mais doloroso ver Ma Saison Préferée/ A minha Estação Preferida (1993) quando se deu o salto para a geração seguinte. Este é um filme sobre o mais crucial dos temas: o curso da vida, da juventude à idade adulta, e desta à velhice que para muitos de nós será "o começo do massacre". Há indícios do massacre antes de se chegar a velho, quando percebemos a pessoa em que nos tornámos e que a única hipótese de redenção passa por aceitar quem somos. O curso da vida apresentado por Téchiné está longe de ser tranquilo, os conflitos sucedem-se com uma frieza quase bergmaniana. Bergmaniano é também o falso flashback que coloca Emilie (Catherine Deneuve) a falar com os pais, corpo de adulta no tempo da criança, a dizer-lhes que está muito bem sozinha sem ter um irmão. O irmão nasceu e veio a chamar-se Antoine (Daniel Auteuil). A relação dos dois é marcada por ambiguidades que levaram a que não podendo ficar muito tempo juntos, a cada reencontro o desejo de não-separação fosse igualmente muito forte. E depois existe essa personagem, fortíssima, que é a mãe de Antoine e Emilie, Berthe, interpretada por Marthe Villalonga. Não há lugar à visão beatífica da mulher do campo, trocada por uma figura de personalidade bulldozer que diz o que pensa não olhando a quem possa magoar. A Minha Estação Preferida trabalha o realismo até à alma e até ao osso. Obra-prima para rever em qualquer idade.