sábado, 4 de janeiro de 2014

# 463
















Que consciência prévia à sua captura teria Solomon Northup do flagelo esclavagista? Steve McQueen filma o seu protagonista sempre pelo carácter excepcional deste – um homem livre tornado escravo –, e o próprio Solomon apela várias vezes à sua libertação dada a injustiça de terem capturado um homem que era livre. É um raciocínio perverso que é parte integrante de 12 Anos Escravo, como se houvessem negros de primeira (nascidos em liberdade) e de segunda (nascidos em cativeiro). Talvez as coisas fossem mesmo assim, mas para uma obra que aparenta propor-se ser exemplar e definitiva sobre a escravatura na América, parece-nos ferida na imparcialidade das suas intenções.
O relato piora significativamente à medida que 12 Anos Escravo se encaminha para o registo da via-sacra de um cristo negro, filmada com requintes de maniqueísmo e grotesco que lembram o "opus horribilis" de Mel Gibson. Quase nada existe de positivo que se possa tirar desta obra de Steve McQueen – da reflexão produzida com sons e imagens ancorada num argumento que tantas vezes se assemelha a mau teatro –, mecanismo de tortura que vergasta o espectador nas suas resposta emocional e inteligência de fruição.

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