quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
# 477
Pergunte-se a umas 100 pessoas e só duas ou três escolherão All is Lost sobre Gravity. Faz todo o sentido compará-los. Troque-se o espaço sem fim pela imensidão do mar. Sandra Bullock por Robert Redford (é já!). O comum infinitésimo humano abandonado aos seus engenho e desejo de sobrevivência. Mas enquanto que Gravidade tem demasiado ruído, diálogos explicativos, metafísica de pacotilha, e psicologia para adolescentes, All is Lost usa ingredientes que se equivalem àqueles com moderação, secura até, e um sentido de realismo mais plausível. Não é grande filme, mas tem uma grande interpretação. Há o caderno de encargos mínimos que qualquer projecto tem de cumprir no contexto industrial do cinema. O efeito redundante da música. O decorativismo de alguns apontamentos visuais. Bem pesadas as coisas, e confrontando-o de novo com o planetário sentimentalão de Alfonso Cuarón, este filme de J.C. Chandor poderá ser olhado como pequeno milagre que é. Dificilmente repetível, passe a redundância.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
# 471
Antes de nos juntarmos a essa qualquer parte podemos só dizer que Claudio Abbado partiu para parte nenhuma.
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
# 470
Faltou nascer o Sol para desaparecermos no seu horizonte, mas houve momentos em que desaparecemos ali mesmo onde estávamos.
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
# 467
Pode-se resumir as três horas de The Wolf of Wall Street a uma só palavra: "fugazi". Aliás, não existe neste século filme de Scorsese que não seja "fugazi".
terça-feira, 7 de janeiro de 2014
# 465
Podes desconfiar quando são apenas os teus ouvidos que escutam, mas acredita piamente na música escutada com a corrente sanguínea.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
# 464
Percebo que uma compilação dos Pet Shop Boys se chame PopArt porque música pop, no sentido popular, radiofónico, de massas, é aquilo que a dupla vem fazendo desde a década de 80. Dedicando hoje a atenção que estas canções merecem, indo ao detalhe das lyrics, de cada textura instrumental ou electrónica, eis que dúvidas surgem sobre se arte pop é afinal aquilo que eles construíram, canção após canção, disco a seguir a disco, já que o chavão pop aliado a arte pressupõe o impacto ao mesmo tempo universal e efémero, circunscrito ao momento revelador. Os Pet Shop Boys envelheceram nos trinta anos que levamos em sua companhia, só que as mesmas marcas temporais não são observáveis na música. A ausência do efeito que seria expectável, pode ser amplamente confirmada ao longo dos quase 150 minutos de música, repartida por dois cd, que é o caso de PopArt. Todas as canções foram previamente remasterizadas para novas edições dos álbuns originais, e surgem aqui arrumadas por uma ordem que nada tem de cronológico. Não sei se a intenção era a de baralhar as coordenadas do tempo para nos fazer notar como a discografia dos Pet Shop Boys, ao contrário dos autores, não acrescentou uma ruga, mas é facto indesmentível. West End Girls, por exemplo, que foi a canção que me apresentou os Pet Shop Boys, por alturas do Diamond Life de Sade e do Steve McQueen dos Prefab Sprout, mantém a frescura e o mesmo apelo (para dançar?) como se tivesse saído ontem para o mundo. Nos Pet Shop Boys converge o paradoxo do que gerou adesão imediata e transcendeu a sua época. Pelo menos ao nível destes maiores êxitos, os Pet Shop Boys encontram-se num grupo muito restrito. Passei a estimá-los como sempre mereceram que o fizesse. Prazer todo meu; inteira justiça a eles. Reencontrado aqui o tempo que foi o nosso, e aquelas outras partes em que lhe passámos ao lado.
sábado, 4 de janeiro de 2014
# 463
Que consciência prévia à sua captura teria Solomon Northup do flagelo esclavagista? Steve McQueen filma o seu protagonista sempre pelo carácter excepcional deste – um homem livre tornado escravo –, e o próprio Solomon apela várias vezes à sua libertação dada a injustiça de terem capturado um homem que era livre. É um raciocínio perverso que é parte integrante de 12 Anos Escravo, como se houvessem negros de primeira (nascidos em liberdade) e de segunda (nascidos em cativeiro). Talvez as coisas fossem mesmo assim, mas para uma obra que aparenta propor-se ser exemplar e definitiva sobre a escravatura na América, parece-nos ferida na imparcialidade das suas intenções.
O relato piora significativamente à medida que 12 Anos Escravo se encaminha para o registo da via-sacra de um cristo negro, filmada com requintes de maniqueísmo e grotesco que lembram o "opus horribilis" de Mel Gibson. Quase nada existe de positivo que se possa tirar desta obra de Steve McQueen – da reflexão produzida com sons e imagens ancorada num argumento que tantas vezes se assemelha a mau teatro –, mecanismo de tortura que vergasta o espectador nas suas resposta emocional e inteligência de fruição.
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
# 462
Isto não é um Filme (2011) é um objecto que se resolve maravilhosamente na contradição entre duas propostas, uma que dissesse que o cinema é aquilo que acontece enquanto se espera, com a câmara ligada, que o cinema tenha lugar; outra que afirmasse que o cinema é a linguagem que convoca e conjuga elementos como cenário, actores e acção, que pressupõe uma liberdade de expressão que traduzirá do modo mais fiel possível as intenções do realizador.
Este projecto clandestino de Jafar Panahi resulta da interdição que lhe foi imposta pelas autoridades iranianas, de filmar ou escrever argumentos para cinema pelo período de 20 anos, e da sua situação de prisão domiciliária aguardando julgamento que poderia condená-lo até 6 anos de cárcere. Panahi procurou chamar a atenção dos públicos de fora do seu país para as restrições a que estava e que continua sujeito, realizando um filme ao mesmo tempo triste e jubilatório (no que é nova contradição). Isto não é um Filme nunca corresponderá enquanto filme ao tipo de cinema praticado anteriormente por Jafar Panahi, e conserva do projecto abortado em processo de filmagem (a história que Panahi relata a partir do argumento e que reconstitui nas limitações de sua casa, tendo por único colaborador o operador de câmara e amigo Mojtaba Mirtahmasb), mas a partir do momento em que a câmara está ligada, de início num plano só na aparência fortuito do quarto vazio da casa de Panahi, o cinema pode e veio a acontecer, naquela fronteira entre o que é real e o que é ficção que tanto menos distinta maior fascínio exerce sobre nós. Por exemplo, na cena final quando Panahi entra no elevador acompanhando com a sua câmara o rapaz que recolhe o lixo do prédio, é real o que vemos ou encenação? O filme deixa-nos com essa maravilhosa interrogação...
Entre as quatro paredes do domicílio dos Panahi, onde naquele dia dos habituais moradores apenas se encontram Jafar e a iguana que pertence à sua filha – ausente com a mãe para assistirem às comemorações da chegada de um novo ano –, o bicho percorre ociosamente os espaços da casa, espécie de espectador participativo em termos de acção, mas ao contrário de nós totalmente alheado das profundas implicações deste "não-filme". Isto não é um Filme acaba por dar conta daquilo que resiste na liberdade mais intrínseca à criação. Do autor enquanto medida de todo o seu trabalho. Do homem tão mais universal quanto se encontre privado do valor da liberdade que todos prezamos acima de qualquer outro. Da absoluta liberdade (outra, decorrente daquela), última e mais importante contradição, de um cinema que não se deixa aprisionar pelas condicionantes de produção: aquilo que o espaço físico limita, o pensamento e a imaginação vêm completar. "Isto" vem a ser um filme e um filme muito particular, ao vencer os constrangimentos que foram impostos à sua condição primeira. Onde existir a voz de Panahi a imagem segui-la-á.
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