Julianna Barwick ao natural, por Shawn Brackbill.
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
# 349
Voltei a ouvir os Massive Attack, que deixara de seguir depois de Mezzanine (1998). Escuto sem método - por acaso comecei pelo último disco, Heligoland - e com graus distintos de atenção, consoante o momento, os cinco álbuns deste projecto: como quem se serve da música para acompanhar qualquer tarefa, e noutras vezes tarefa nenhuma. Escolho a designação projecto porque vejo-os como um laboratório com grande rotação de colaboradores que funciona menos como banda em sentido canónico e mais como algo que existe para corresponder a uma determinada marca sonora.
Primeira interpretação, feita a partir da cronologia de edições. Os Massive Attack só gravaram quando bem entenderam que o deviam fazer, e isso é coisa rara. Blue Lines (1991) merece o estatuto de clássico que tem desde há longo tempo, contribuiu para a definição de um género musical novo, é simultaneamente complexo e acessível, música quente e vibrante que surgia num ponto de surpreendente maturidade. Os Massive Attack entraram pela porta dos maiores e ousaram ser diferentes e esperar três anos até nos darem novo disco, Protection (1994), talvez o registo dos Massive onde os convidados mais tenham contribuído na criação de uma identidade forte, sendo também o aspecto mais relevante da sofisticação e elevada qualidade do resultado último: Protection será sempre associado à voz de Tracy Thorn e ao piano de Craig Armstrong. Dá, então como hoje, a ideia de que os Massive Attack tinham o meio musical aos pés.
Nova "pausa", agora de quatro anos, até à chegada de Mezzanine, outra obra-prima e em enorme contraste com Blue Lines. O enfoque no som negro e claustrofóbico, acordes de guitarra saturados e distendidos, um ambiente de fim de mundo, no final de um século. A voz angelical de Elizabeth Fraser a conduzir-nos pelos contornos apocalípticos desta impressionante realização sonora. 100th Wimdow (2003) teve a árdua tarefa de suceder a Mezzanine. Muito, muito difícil tarefa. Produção atribulada, avanços e recuos, e o que ficou de todo o processo foi uma variação sobre o disco anterior atenuada no negrume, talvez demasiado estendida na duração dos temas, que se reflecte na duração total. A matéria musical é ainda bastante interessante, não houve foi arte para moldá-la de modo a repetir os feitos anteriores. É possível que seja o disco dos Massive Attack mais trabalhado em estúdio, mas fica a impressão de não o ter sido suficientemente. Tem no entanto bons alicerces instrumentais e escuta-se com prazer em dias de maior bonomia.
Heligoland chegou em 2010 e deixa uma sensação de que os Massive Attack terão procurado o back to basics. Não mais densos mantos electrónicos, trocados por canções de recorte definido. Perde para Blue Lines porque todos perdem, até mesmo eventualmente Mezzanine. Mas é disco cheio de saber fazer e incutir carisma nas batidas e nas interpretações. Os Massive Attack poderão nunca mais voltar a surpreende-nos como o fizeram nos anos 90 do século XX, mas esgotados é que eles não estão. O comboio prossegue viagem, aleatoriamente, com paragem em todas as estações.
Primeira interpretação, feita a partir da cronologia de edições. Os Massive Attack só gravaram quando bem entenderam que o deviam fazer, e isso é coisa rara. Blue Lines (1991) merece o estatuto de clássico que tem desde há longo tempo, contribuiu para a definição de um género musical novo, é simultaneamente complexo e acessível, música quente e vibrante que surgia num ponto de surpreendente maturidade. Os Massive Attack entraram pela porta dos maiores e ousaram ser diferentes e esperar três anos até nos darem novo disco, Protection (1994), talvez o registo dos Massive onde os convidados mais tenham contribuído na criação de uma identidade forte, sendo também o aspecto mais relevante da sofisticação e elevada qualidade do resultado último: Protection será sempre associado à voz de Tracy Thorn e ao piano de Craig Armstrong. Dá, então como hoje, a ideia de que os Massive Attack tinham o meio musical aos pés.
Nova "pausa", agora de quatro anos, até à chegada de Mezzanine, outra obra-prima e em enorme contraste com Blue Lines. O enfoque no som negro e claustrofóbico, acordes de guitarra saturados e distendidos, um ambiente de fim de mundo, no final de um século. A voz angelical de Elizabeth Fraser a conduzir-nos pelos contornos apocalípticos desta impressionante realização sonora. 100th Wimdow (2003) teve a árdua tarefa de suceder a Mezzanine. Muito, muito difícil tarefa. Produção atribulada, avanços e recuos, e o que ficou de todo o processo foi uma variação sobre o disco anterior atenuada no negrume, talvez demasiado estendida na duração dos temas, que se reflecte na duração total. A matéria musical é ainda bastante interessante, não houve foi arte para moldá-la de modo a repetir os feitos anteriores. É possível que seja o disco dos Massive Attack mais trabalhado em estúdio, mas fica a impressão de não o ter sido suficientemente. Tem no entanto bons alicerces instrumentais e escuta-se com prazer em dias de maior bonomia.
Heligoland chegou em 2010 e deixa uma sensação de que os Massive Attack terão procurado o back to basics. Não mais densos mantos electrónicos, trocados por canções de recorte definido. Perde para Blue Lines porque todos perdem, até mesmo eventualmente Mezzanine. Mas é disco cheio de saber fazer e incutir carisma nas batidas e nas interpretações. Os Massive Attack poderão nunca mais voltar a surpreende-nos como o fizeram nos anos 90 do século XX, mas esgotados é que eles não estão. O comboio prossegue viagem, aleatoriamente, com paragem em todas as estações.
# 347
"A felicidade, para ele, não existe por adição: de objectos, experiências, lugares. Mas por repetição: ele repete as experiências que são significativas. E, em cada repetição, existe a certeza da mesma felicidade."
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
# 342
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
terça-feira, 20 de agosto de 2013
# 337
Chega um momento na vida de todas as pessoas em que à falta de alternativas racionais é preciso rezar. Nessas alturas há os que acendem uma vela e os que colocam a tocar uma música de Max Richter. O efeito é o mesmo. Resultados só os que Deus quiser.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
# 334
# 333
"Na prática todos gostaríamos de perceber melhor que tipo de sabedoria estamos a retirar da liberdade sexual que nos é oferecida como uma das grandes conquistas civilizacionais do nosso tempo."
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
# 332
O reconhecimento de Michael Mann enquanto autor de cinema, com uma linguagem e um universo próprios, ocorreu de forma mais consensual em 2006 através de Miami Vice, o seu primeiro filme elogiado quer pela crítica americana, quer pela europeia, e foi com surpresa que nessa altura li notas de entusiasmo de alguns críticos portugueses que antes torciam o sobrolho ao estilo de Mann. Pela minha parte continuo a considerar que Heat (1995) é o filme onde Michael Mann surge no controlo absoluto dos elementos fílmicos (guião, música/ som, e imagem) que se ligam para criar um todo poético onde o universo da criminalidade é retratado pelo contraste entre as muito virtuosas sequências de acção e outras cenas onde a atmosfera isola o indivíduo e antecipa o seu destino trágico. Heat continua a ser em minha opinião a obra-prima deste realizador, e foi com agrado que reconheci a utilização não creditada da partitura de Elliot Goldenthal em dois momentos do primeiro episódio de Luck, série da HBO que Michael Mann produziu, tendo igualmente dirigido o episódio piloto. Um episódio de autor: que assina com imagens e também com música.
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
# 331
Um grande homem uma vez disse que quando matamos alguém tiramos tudo o que essa pessoa foi e o que poderia ter sido. Werner Herzog não passa ao lado do aspecto mais trágico de vidas que de diferentes maneiras foram interrompidas. Por se tratar de um grande realizador transcende o aspecto mais doloroso do que filma com exemplos do perdão. Este é também um filme sobre os limites que o acto de perdoar conquista ao que parecia imperdoável.
# 330
Tomo nota para no caso de esquecer poder vir aqui recuperar o raciocício. Há algo que se altera na passagem da terceira para a quarta temporada de Os Sopranos que é mais sensível do que qualquer alteração que tenha vindo antes. É como se a psicologia das personagens passasse a ditar claramente aquilo que acontece, ao contrário do que sucedia quando a acção ajudava à caracterização das muitas figuras. Assim Os Sopranos torna-se menos uma série de acção e mais uma série reflexiva. Isto confunde-se um pouco com a literatura e pode mesmo ter sido essa a intenção. O movimento dirigiu-se do exterior para a interioridade, o que talvez explique o ritmo diferente, mais pausado a partir daqui, com mais momentos de suspensão. Não faço ideia se esta dinâmica irá continuar, uma vez que tamanha interioridade poderia afastar os espectadores da série. Mas talvez, três épocas passadas, a audiência de Os Soprados estivesse de tal modo circunscrita, no seu elevado número, que a fidelidade não seria posta em causa pela experimentação. Entre a difusão das terceira e quarta temporadas aconteceu o 11 de Setembro, mas até ver isso não foi incorporado nos eventos. Pode é ter passado directamente para o espírito da ficção. A imagem promocional é elucidativa. Estas personagens não estão umas com as outras, mas consigo próprias. Por outro lado aquilo que observamos não parece ter correspondência no luto de uma nação, a não ser no luto de cada um pela sua condição solitária, por sermos o principal obstáculo ao fim dessa condição. Para que é que cada um escreve, filma ou faz outras coisas? Para chegar a outros ou para que outros venham até si?
# 329
Para quem se questione sobre se a vida tem sentido. O sentido de existir talvez se resuma nisto.
sexta-feira, 9 de agosto de 2013
# 327
Um grande filme de Sofia Coppola, aquele onde é maior a correspondência entre o trabalho formal que lhe reconhecemos e o assunto de que se ocupa. É um filme de ruptura de tão fenomenal com o nosso imaginário em relação à juventude, como o foi Elephant de Gus Van Sant, e a larga distância no seu real interesse de Spring Breakers de Harmony Korine, com quem tem pontos de contacto. Coppola capta o hedonismo e a irrealidade que transfere para a experiência sensorial que é ver The Bling Ring, e coloca num mesmo plano os adolescentes e as celebridades por eles idolatradas. Aliás as vidas dos jovens do filme de Sofia Coppola mimetizam no sentido sensacionalista as daqueles cujas casas assaltam com o fascínio de aceder a mansões que são museus erigidos pelos proprietários num culto de personalidade que passa exclusivamente pela posse extravagante de objectos de moda, o dinheiro arrumado em qualquer sítio, e imagens suas espalhadas por todo o lado. The Bling Ring é um filme sobre o fenómeno da celebridade instantânea e consegue fazer-nos perceber a fantasia que toma conta dos que se projectam nas vidas "fantásticas" dos famosos. E, muito importante, sem moralizar. Uma fantasia perpetuada por imagens que substituem a realidade até que esta se torne indistinta das imagens que a canibalizaram. Um grande filme de Sofia Coppola, sem dúvida nenhuma.
# 325
Appolonide, Memórias de um Bordel (Souvenirs de la Maison Close, 2011) presta-se a várias leituras, inclusive as que como no caso da publicação Le Parisien vejam nele "um grande filme feminista". Sou da opinião que Bertrand Bonello quis fazer um filme de fantasmas, algo que evocasse em particular o ambiente vivido num bordel de Paris, na passagem do século XIX para o seguinte, quebrando o aspecto realista da cuidada reconstituição com a música, instrumental ou cantada, clássica ou contemporânea, que existe para reforçar a atmosfera do filme, como se de um sonho se tratasse. O filme começa precisamente com um sonho, contado por uma das prostitutas, Madeleine, ao seu cliente regular. O nome Madeleine não é fruto do acaso, pois não arrisco muito ao dizer também que Marcel Proust é a maior referência do filme de Bonello. Madeleine funciona duplamente, quer como propulsor da evocação que o filme faz, quer como observador da acção, colocado a uma certa distância a partir do momento em que fica desfigurada e deixa de poder trabalhar como dantes. Madeleine é o elemento que liga os diferentes quadros, de um luxo decadentista, quando se trata de cenas em interior, ou de um pós-impressionismo renoiriano, como no episódio do piquenique das raparigas do lupanar parisiense que depois se banham nuas no rio. Bonello decide quebrar bruscamente a unidade temporal quando nos mostra no final as ruas de Paris com as profissionais que se oferecem a quem passa de carro. Despertado do sonho, este filme que nunca se define em relação ao que mostra, a não ser no plano estético, abre-se para o plano do real, fora da casa, fora do sonho, fora da imaginação.
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
# 324
June Tabor (n. 1947) tem um disco novo belíssimo gravado em 2006 que é ao vivo mas onde não se escutam aplausos nem a sempre distrativa pigarreia do público, e que sendo de um projecto paralelo ao tronco principal da sua discografia é tão reconhecivelmente de June Tabor como os outros. Virá apresentá-lo no Teatro Maria Matos dia 25 de Setembro com os elementos do trio Quercus: o pianista e há muito director musical de Tabor, Huw Warren, e o saxofonista Iain Ballamy. Para o meu gosto o evento mais importante do início da próxima temporada.
# 323
Por uma vez a tradução criativa do título de um filme vai directo ao assunto. Olhem para Mim é menos subtil que Comme une Image mas reflecte com justeza o resultado da observação inteligente do comportamento humano operada por Agnès Jaoui (argumentista, realizadora, e actriz) e Jean-Pierre Bacri (argumentista e actor), que dá conta dos atritos resultantes de nos colocarmos demasiado no centro das nossas vidas, com o que isso implica de vitimização e culpabilização. Tudo para correspondermos a uma imagem, algo que julgamos que nos fará mais importantes para os demais. Essas imagens assumidas como modelos de vida chegam-nos da televisão, da publicidade, daquilo que atribui estatuto social a uma pessoa qualquer. A lente de Jaoui e Bacri é perspicaz e não perde tempo a explicar o que sabemos já. Reconhecemo-nos nas fraquezas que atraem ou repelem as personagens umas às outras. Desconcertante é o facto do filme poder parecer mais actual hoje que há dez anos quando foi produzido. Mas não é obra revolucionária, ou então é-o apenas no sentido cada vez mais raro de nos confrontarmos com algo que espelhe sem alarido mas com humor as ilusões de que somos feitos. Especular-se-ia que a "imagem de Deus" se mudou para o Facebook e o Photoshop que permitem sermos criadores constantes e permanentemente insatisfeitos de nós próprios.
# 322
Ao mesmo tempo que na Gulbenkian se celebrava o 60º aniversário de John Zorn com a primeira de três noites do músico em palco, eu fazia a redescoberta deste filme de Michael Winterbottom (9 Songs, 9 Canções, 2004), que numa das cenas em concerto assinala o sexagésimo aniversário de Michael Nyman. Circunstâncias que geram coincidências, e não me dei mal com a troca. A distância do momento inaugural que promovia o filme do inglês pelo seu carácter explícito, permite olhá-lo agora por aquilo que é: a crónica de uma paixão fugaz, com Londres por cenário, que usa por contraponto os vários concertos a que o casal assiste, sendo que num deles ele vai sozinho, ou as recordações desse amor narradas pelo homem enquanto sobrevoa os glaciares da Antártida. É um bom filme, este Winterbottom, um império de sentidos para o novo milénio onde os rituais da intimidade são necessariamente outros, mas onde a solidão dos indivíduos, homens ou mulheres, é a mesma. Como se ir ao mais próximo do que é possível dar a ver confirmasse os limites do conhecimento de nós e dos outros, aquilo a que não podemos ter acesso. O que fica oculto nas entrelinhas de uma canção ou nas enormes porções submersas de gelo, para focar elementos que este filme trabalha em sentidos narrativo e metafórico. Com frontalidade, concisão, e para os que nele encontrarem algo mais de aproveitável, pedagógico até.
# 321
Citemos o "grande homem", não aquele que cita, Francis Underwood, congressista democrata norte-americano, mas quem por ele é citado, Oscar Wilde. Tudo no mundo está relacionado com sexo, excepto o sexo que é uma questão de poder. Tudo nesta grande série é questão de poder. Todos têm poder e exercem-no sobre quem tem menos. Exercem-no de acordo com os próprios interesses. Ninguém é inteiramente bom ou integralmente mau. Apenas o poder atribui a máscara que os distingue de entre os vários graus de cinzento. Pensem na trilogia Millennium, de Stieg Larsson, que a maior parte terá lido ou pelos menos conhece numa das adaptações ao cinema. Agora pensem na versão melhorada e de correspondência mais directa com o nosso tempo. House of Cards é uma série de excelência, seja qual for o ângulo de análise. Primeira temporada. Treze episódios. Zero pontos fracos.
# 319
" Passei as férias, como compete à minha idade e à minha condição, a ler e a dormir, sem pôr um pé na rua. Assisti à trapalhada política que tanto comoveu o país de muito longe: alguns jornais com o café da manhã, uns minutos de televisão (normalmente sem som), os dois discursos de Cavaco e pouco mais. Acabei por concluir que, no fundo, não aconteceu nada."
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