terça-feira, 16 de abril de 2013

# 165


























Seria sempre um objecto que se encontra no extremo oposto de qualquer outro, pela natureza do que é e não por um qualquer desejo de auto-exclusão. Lacrau, de João Vladimiro, integra as competições nacional e internacional do IndieLisboa, e lembrei-me da forma como um amigo descrevia Holy Motors, de Leos Carax, como sendo um filme sobre o fim das coisas (do mundo). Há elementos visuais que aproximam Lacrau (enquanto nos mantemos no espaço urbano) do cinema de Carax, mas aqui o projecto parece ser o de viajar até ao princípio do mundo, que até tem geografia comum com o Oliveira desse título, que vem a acabar onde Lacrau quase começa: em Trás-os-Montes, referência que remete ainda para o cinema de António Reis, talvez o cineasta português de quem Vladimiro estará de facto mais próximo. Não descortinamos narrativa (ou é praticamente ininteligível). Tudo é poesia. Poesia que nasce da matéria (como nos textos de Francis Ponge ou nos filmes de Jean Daniel Pollet).
Nada mais existe para inventar na linguagem do cinema, mas Lacrau consegue manter-nos na ilusão contrária em vários momentos. Objecto de texturas, sempre texturas, sonoras e visuais. Moldado com luz e sombra. Moldado com sons e vozes e música e silêncios, que entram e saem como se fossem aparições. Em total paridade com as imagens. Há uma dimensão mística ou religiosa (ou ambas) no filme de João Vladimiro. Uma paz que é sensível se nos entregarmos à sua liberdade. Um novo fôlego ou pelo menos um segundo primeiro sopro. Para aceitar e só depois interpretar.

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