quinta-feira, 20 de junho de 2013
# 260
Sei o quanto são genuínos o carinho e a admiração que Catarina Ruivo nutria por Pedro Hestnes que salvo falha da minha memória esteve para ser protagonista do primeiro filme dela, uma curta-metragem da Escola de Cinema, baseada na figura de Corto Maltese, papel que acabou sendo interpretado por Nuno Melo. Hestnes é também presença que guarda a memória de um período do cinema português marcado pelo surgimento de nomes como Manuel Mozos e Pedro Costa, tendo trabalhado ainda com João Botelho e não só, chegou a entrar em produções estrangeiras também. Não é possível ver Em Segunda Mão sem o sentimento de nos estarmos a despedir de Pedro Hestnes (e por inerência de uma parte do nosso passado), que veio a falecer já depois da produção estar concluída. Este projecto de Catarina Ruivo seria especial de qualquer maneira, e no primeiro terço da sua duração, quando a figura de Hestnes se mostra andrajosa e frágil, e mais ainda de uma fragilidade que assenta na própria debilidade física que é vísivel no homem independentemente da personagem, sentimo-nos próximos do filme e dispostos a aceitá-lo nas suas condições. Há depois um corte abrupto, da noite para o dia, de um interior esquálido para uma praia deserta batida pelo mar de Inverno, a possibilidade de uma outra vida, de uma vida "em segunda mão", que o filme de Catarina Ruivo parece sugerir poder tratar-se de um delírio do escritor moribundo vivido por Pedro Hestnes. Lamento que o filme se esboroe a partir daqui, não acreditando talvez que podia seguir pelo sonho, terminar deixando-nos suspensos nessa dúvida, optando por um registo realista ao qual não oferece consistência dramatúrgica suficiente. É como se uma lógica de filme se sobrepusesse à lógica da personagem, que seria mais romântica e necessariamente onírica. Eu estava a ver um filme passado na cabeça de Jorge (Hestnes) e ao mesmo tempo a ser incomodado por outros elementos que faziam parte da nova história de cara lavada. Saí de cara à banda.
(visto na antestreia)