segunda-feira, 3 de junho de 2013

# 235




















O Passado e o Presente (1972) é um filme terrível pelo modo como encena o nojo ao matrimónio - é marcha nupcial para o cadafalso, onde não falta o sublinhado da partitura de Mendelssohn -, e num duplo sentido. Dos três pares em cena, a única relação saudável é a de Noémia (Manuela de Freitas) com Fernando, divorciados um do outro que se juntaram de novo sem reincidirem no sacramento. O duplo sentido do nojo diz respeito ao luto, aquilo que para Vanda atribui qualidades aos maridos mortos que despreza(va) quando vivos, e também à natureza do próprio filme onde, com excepção do casal Noémia/ Fernando ninguém é de confiança, prestando-se quase todos à traição da pessoa com quem estão.
Este filme de Oliveira é também marcado pelo erotismo que vai de par com a frustração (sobretudo na forma de Vanda, sempre descalça e de roupas transparentes, que se nega aos avanços do(s) marido(s), fruto da sua neurose necrófila), e pela sedução de par com o desprezo: neste sentido, a personagem do solteirão Maurício pode assumir-se enquanto versão masculina de Vanda, mas de comportamento inverso, um sedutor que não sabe o que quer e que se farta da mulher conquistada partindo para a conquista seguinte.
A teatralidade assumida pelo filme, uma comédia de costumes em cenário burguês-aristocrático, o tom caricatural na pose e nos diálogos, reforça o carácter terrível dos acontecimentos. Assiste-se a O Passado e o Presente com sorriso gelado porque o seu fundo é trágico e o descaso entre homens e mulheres parece irremediável. É olhar a cena final, por exemplo, com Vanda e Ricardo (o morto que afinal estava vivo, tendo assumido a identidade do gémeo Daniel), chegados com atraso ao casamento de outros, que percorrem sem nexo o corredor central da igreja, não sabendo nós se em busca de lugar onde possam ficar juntos ou que os mantenha separados. É o nojo do luto recuperado enquanto nojo mútuo, e isto é mais terrível ainda.  

(visto na Cinemateca)

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