Qualquer dicionário dará como sinónimas as palavras "complicado" e "complexo". Martin Scorsese faz um retrato de George Harrison que supera as três horas de duração. Podia ter metade do tempo, fosse uma abordagem convencional. A complexidade exige tempo e o uso que Scorsese faz desse tempo é também para apartar os sinónimos. É que George Harrison, o homem e a sua biografia, separadas da circunstância descomunal de ter sido um dos quatro Beatles (a que é justo juntar o seu primeiro disco a solo, a obra-prima co-produzida com Phil Spector
All Things Must Pass) , nada mais tem de extraordinário. Mesmo a sua existência na banda, onde deixou três ou quatro canções memoráveis, funcionou sobretudo como equilibrador entre as forças mais sensíveis de Lennon e McCartney. A aventura de Harrison foi toda ela interior. Uma busca da verdade, do sentido para a passagem representada pela vida; uma prepração para receber com aceitação o momento da morte. Teve os habituais episódios folclóricos a Oriente; a música tirou disso grato beneficio, mas o percurso de Harrison encaminhou-o para o reconhecimento do seu maior talento, as relações humanas, cultivadas com privacidade; a impressão que deixou naqueles que o conheceram. George Harrison foi um homem complexo mas nunca complicado, porque a sua demanda foi vivida dentro de si, não se tornando obstáculo para ninguém. Harrison era mesmo um facilitador, numa história que compreensivelmente envolveu muitos egos. Poucos se lhe referem enquanto músico. Foi sempre o homem, a arte de viver, que deu azo às mais duradouras emoções. George Harrison era música personificada, no sentido espiritual. É assim que termina este retrato. Referindo o momento em que ao deixar o corpo, o espírito de George Harrison se manifestou sob a forma de luz.